No vale da aldeia a que um dia chamariam São Miguel da Cana, os homens e as mulheres esperavam, remexiam a terra deNovembro e olhavam para o céu.
Chegavam nuvens, vindas da costa em longas e solitárias caravanas, seguindo o leito seco dos rios.
Por vezes chovia. Pequenas folhas verdes desenrolavam-se dos ramos secos, e uma erva macia atapetava o chão da mata de arbustos espinhosos a que chamavam caatinga, a floresta branca, por ser demasiado pobre para ter cor. Nessas alturas, os homens e as mulheres estudavam o céu, desconfiados. Por vezes, a chuva caía tão perto que conseguiam cheirá-la, mas se não voltava a cair naquele pedaço de terra, as folhas ficavam castanhas e crepitavam ao vento. Aquilo podia matar um campo, diziam: uma única chuvada, e depois o céu vazio. Criava falsas esperanças nas pessoas, criava falsas esperanças na terra. Chamavam-lhe seca verde e amaldiçoavam-na entre dentes. A chuva é como um homem, diziam as mulheres, ilude-nos com doces dádivas, mas se não fica, é pior do que nada.
Quando a chuva não voltava, as primeiras plantas a morrer eram as ervas. Então, a mata tornava-se quebradiça e os cactos ficavam cinzentos. Em Dezembro, na véspera do Dia de Santa Luzia, deixavam no chão seis pedaços de sal, para adivinhar a seca, e de manhã contavam quantos se tinham derretido e quantos restavam.
Finalmente, quando a terra ficava tão quente que qualquer chuva que caísse se limitaria a voltar para o céu sob a forma de vapor, começavam a preparar-se. Chamavam-lhe a retirada, como se instalarem-se nas terras do interior tivesse sido, para começar, uma coisa insensata e anormal. Muitos já tinham passado por outras secas e conheciam até bem de mais os rituais da fuga e do inseguro regresso. Nos campos ressequidos, batiam com as pás na pedra e procuravam na terra pedaços de mandioca. Faziam cálculos, verificando as provisões de carne salgada e o nível de água nos poços.
À medida que os dias passavam, estudavam o céu, pondo as suas esperanças em nuvens distantes que desapareciam como que embruxadas. Apanhavam do chão punhados de terra, acariciavam-nos e esmagavam-nos entre os dedos, faziam rolar o pó quente ao longo dos calos secos dos polegares, provavam-no, falavam com ele. Exortavam, pediam desculpa, suplicavam. Certa vez, um jornalista da costa que estivera com eles escrevera: Os camponeses conhecem a textura da terra melhor do que as suas próprias caras. Quando a história foi lida em voz alta nos campos crestados, um velho riu e disse, Claro! Nasci lá, sou demasiado pobre para ter um espelho, e quando foi que houve água suficiente para um charco?
Podem continuar a ler o primeiro capítulo de Uma Terra Distante, de Daniel Mason, aqui.