Nada fazia prever, naquele Verão, o desgosto que em tão curto espaço de tempo iríamos sofrer.
É verdade que a Sheba estivera doente no Outono anterior. «Problemas de rins», foi o diagnóstico do veterinário depois de a examinar. E, quando nos disse, atencioso, que ela agora era um gato de idade, que os rins dela tinham aumentado bastante de tamanho mas que com o tratamento e uma alimentação adequada poderíamos, se tivéssemos sorte, tê-la connosco durante um ano mais, ficámos tolhidos de sofrimento perante a perspectiva de um futuro sem ela.
Durante treze anos, a vida na nossa casa no sudoeste rural de Inglaterra, o West Country, fora dominada por um casal de gatos siameses: a Sheba, a mais esperta, pequenina, uma Blue Point e frágil como uma flor, e o Solomon, o irmão barulhento, um Seal Point, enorme, e o nosso palhacinho trapalhão.
Cada recanto da casa guardava uma memória dos dois a fazer alguma coisa. A Sheba a jogar à apanhada connosco no telhado da carvoeira numa noite de Verão, por exemplo. Encavalitada mesmo na beira do telhado, a berrar desalmadamente que estava Aqui, não podíamos entrar sem ela ou as Raposas podiam Apanhá-La – e quando nos esticávamos para a trazer para o chão passava ligeira para outro canto dizendo Ah ah! Aquela enganou-nos, não foi? Não tinha medo de Raposas…
Ou o Solomon, de dorso escuro e aparentemente tão imóvel como uma cunha de porta, a espreitar impassivelmente pelo portão quando sabia que estávamos de olho nele. O sempre aventureiro Solomon. Nunca no mesmo espaço que nós se o pudesse evitar, e, quando tínhamos de sair e o vigiávamos como seguranças para nos certificarmos de que não fugia (limpar um prato – sair para ver como estava; arrumar uma jarra – sair de novo para ver como estava), encontrávamo-lo sentado ao portão. Muito ostensivamente
Connosco. Sem pensar de todo em sair dali. Por que diabo, inquiria o seu aparelho de visão dorsal, estávamos a vigiá-Lo Tanto? Só estava à espera, bem sabíamos, de desaparecer como um relâmpago siamês logo que desviássemos o olhar.
Algum dia, é certo, seria inevitável perdê-los. A única desfeita que os animais nos fazem é nunca viverem tanto como nós. Mas os gatos vivem mais tempo do que os cães. Tínhamos ouvido falar de siameses com vinte anos ou mais. Além disso, até à doença da Sheba, não só os nossos dois tinham passado pela vida com o entusiasmo de eternos gatinhos, como parecia ter sido há tão pouco o tempo em que eram realmente jovens.
Podem continuar a ler os primeiros capítulos de O Novo Inquilino , de Doreen Tovey, aqui.