![]()
– Se o vosso irmão vier a saber disto, terei muita sorte se conseguir escapar com a minha virilidade intacta, para não falar da minha cabeça – proferiu Thomas.
A luz pálida da lua lançava sombras nas paredes dos estabelecimentos que se alinhavam ao longo da rua. Movimentos ominosos à esquerda e à direita captavam ocasionalmente a atenção de Christiana, mas esta noite ela não receava salteadores nem ladrões. Ao seu lado cavalgava Thomas Holland, um dos cavaleiros da rainha, e o brilho do seu archote punha em evidência a sua longa espada. Christiana não esperava desafios de quem quer que os visse na cidade depois do recolher obrigatório.
– Ele nunca saberá, prometo-vos. Ninguém virá a saber. – Tranquilizou-o.
Thomas tinha razões para estar preocupado. Se Morvan, o irmão de Christiana, descobrisse que ele a ajudara a escapulir-se de Westminster depois do anoitecer, fá-lo-ia pagar bem caro. Todavia, ela assumiria todas as responsabilidades caso fossem descobertos. Afinal, dificilmente se poderia meter num sarilho maior do que este.
– Esse mercador que necessitais de ver deve ser rico, uma vez que não reside sobre o estabelecimento – proferiu Thomas com ar apreensivo. – Não é minha intenção intrometer-me, senhora, mas esta é uma altura peculiar para fazer visitas, e para mais, em segredo. Espero não estar a conduzir-vos a algum amante. O rei em pessoa esventrar-me-ia se fosse esse o caso.
Christiana teria achado graça à sugestão dele, se o seu transtorno, naquele momento, não a tivesse deixado demasiado indisposta para apreciar a terrível piada.
– Não é um amante, e venho a esta hora porque é a única altura em que tenho a certeza de o encontrar em casa – replicou, na esperança de que ele não pedisse mais explicações.
Necessitara de toda a sua astúcia para conseguir escapulir-se para esta visita clandestina, e já não lhe restava mais para inventar outra mentira.
O dia anterior fora o pior e o mais longo da sua vida. Teria sido apenas na noite anterior que se encontrara com a rainha Filipa e lhe havia sido comunicada a decisão do rei de aceitar uma oferta de casamento para ela? Desde então, todos os momentos haviam sido uma eternidade de pânico e indignação.
Não era contra o casamento em si que ela se opunha. Na realidade, com dezoito anos, já ultrapassara a idade em que a maior parte das raparigas contraíam matrimónio. Mas aquela oferta não proviera de Stephen Percy, o cavaleiro a quem oferecera o seu coração. Nem proviera de qualquer outro cavaleiro ou lorde, como seria adequado à filha de Hugh Fitzwaryn, uma menina pertencente a uma família da antiga nobreza.
Não, o rei Eduardo decidira casá-la com David de Abyndon, que ela nunca conhecera.
Um mercador comum.
Um mercador comum e idoso, de acordo com as palavras da sua tutora, Lady Idonia, que se recordava de comprar sedas ao senhor David, o mercador da sua juventude.
Era a forma de o rei a castigar. Desde a morte dos seus pais que ficara sob a sua custódia e vivia na corte com a sua filha mais velha, Isabele, e a jovem prima dele, Joan do Kent. O rei devia ter explodido de fúria quando descobrira a sua ligação com Stephen, para lhe atribuir um castigo assim tão drástico.
Stephen. O belo e loiro Stephen. O coração de Christiana sofria por ele. As suas atenções secretas haviam trazido o sol à sua vida protegida e solitária. Fora o primeiro homem a atrever-se a fazer-lhe a corte. Morvan ameaçara matar todo o homem que a cortejasse antes dos esponsais. A corpulência do irmão e a sua destreza com as armas haviam-se revelado um impedimento desgraçadamente eficaz a qualquer ligação amorosa. As outras raparigas da corte tinham admiradores, mas ela não. Até Stephen aparecer.
Aquele casamento seria um castigo severo pelo que havia acontecido naquela cama antes de Idonia os ter encontrado juntos. Um castigo que ela não planeava aceitar. Tão-pouco o aceitaria o idoso mercador quando tivesse conhecimento da forma como estava a ser usado pelo rei.
Podem ler os primeiros capítulos de Casamento de Conveniência, de Madeline Hunter , aqui.