– É em dias como este que eu fico mesmo farta deste trabalho – resmungou Hannah Durman, enquanto desligava impetuosamente a chamada, antes de empurrar a cadeira para trás e levantar-se. – Tenho estes processos todos para redigir antes de poder ir para casa, e aparece sempre a inevitável emergência do final do dia e não me apetece mesmo nada tratar destas tretas neste momento. Detesto o trabalho de assistente social! Quero um emprego sem stress.
– A quem o dizes! – O seu colega Barry riu-se e deu uma palmadinha na periclitante pilha de processos que tinha na sua própria secretária. – Todos os dias, dê lá por onde der, a fila engrossa, o pessoal diminui e o monte de processos aumenta… mas, pelo menos, nunca te podes queixar de tédio.
Hannah agarrou numa agenda bojuda e num bloco de notas que tinha em cima da secretária. – Na verdade, por vezes seria bom que fosse entediante. Principalmente hoje, que eu nem sequer devia cá estar. Temos de ir para o aeroporto amanhã às cinco da manhã, e eu ainda nem fiz as malas… – Fez uma pausa e lançou um sorriso suplicante na direcção de Barry. – Por acaso não quererás ir lá fora ter uma conversa com a jovem Cleo Riley, não? Ela está na recepção. É o problema do costume: a mãe pô-la outra vez fora de casa. Decerto ela poderá ir para o acolhimento temporário de emergência, eles recebem-na sempre quando têm espaço, é só fazer um ou dois telefonemas…
– Nem pensar. – O colega abanou a cabeça de forma enfática. – Não, não, não. Ainda tenho três visitas domiciliárias para fazer esta tarde. Vai lá despachar isso e depois já podes partir para as tuas férias e esquecer-te de nós todos, aqui a dar o litro como formigas obreiras!
Hannah encolheu os ombros e riu-se, aceitando a recusa com naturalidade.
– Como é que eu sabia que ias dizer isso? Mesmo assim, valeu a pena tentar!
Saiu apressadamente do gabinete acanhado que partilhava com Barry e com vários armários de arquivo altos e entrou num corredor comprido que ia dar ao sombrio gabinete da recepção, onde os funcionários estavam protegidos da sala de espera por um balcão de vidro reforçado. A linha da frente.
O edifício cinzento que albergava os escritórios dos Serviços Sociais da zona oriental de Londres era um bloco impessoal de quatro pisos feito em cimento e vidro, que, nos anos sessenta, altura em que fora construído, teria sido considerado vanguardista e ultramoderno. Agora parecia antiquado e gasto, com graffiti a cobrir quase todas as superfícies sólidas exteriores, beatas e pastilhas elásticas ressequidas espalhadas pela entrada e parque de estacionamento e uma palpável atmosfera de degradação constante em todo o lado, tanto no interior como no exterior.
Hannah sentia-se constantemente aliviada por já não viver na zona oriental de Londres onde crescera, mas quando lhe ofereceram um emprego ali, poucos meses antes, tomara a decisão de regressar. Significara uma promoção, um grande aumento salarial e a oportunidade de trabalhar em horário flexível, de modo que, três dias por semana, saía da pacata vila do Essex onde ela e o marido viviam há mais de dez anos. Nos outros dois dias, trabalhava a partir do conforto da sua própria casa. Convinha-lhe na perfeição.
Semicerrando os olhos, examinou a sala de espera, que estava tão atafulhada e ruidosa como ela previra. As tardes de sexta-feira e as manhãs de segunda eram sempre conturbadas nos escritórios da High Street, e aquela tarde de sexta-feira em particular não era certamente excepção. Não havia cadeiras suficientes para a quantidade de pessoas que aguardavam, por isso estas limitavam-se a deambular por ali, de um lado para o outro, barafustando no corredor cada vez mais zangadas por terem de esperar tanto tempo. Crianças de todas as idades, entediadas pelo ambiente e sem interesse nos poucos livros estraçalhados e revistas rasgadas espalhados sobre a mesa, corriam à vontade, sem vigilância, a fazer barulho, a gritar e a criar o caos.
Sobrepondo-se ao zunzum geral do tédio e da irritação, Hannah gritou por uma brecha no vidro da recepção para se fazer ouvir.
– Cleo? Cleo! Dirige-te à sala de entrevista número dois, já lá vou ter contigo…
Quando a adolescente se levantou de um salto e abriu caminho em direcção ao corredor, uma voz feminina ergueu-se sobre todas as outras, ruidosa e estridente.
– Ei! Isso é injusto! Eu cheguei muito antes dela. Estou à espera há mais de duas horas, porra, e quero que alguém me atenda agora. Já! Senão vou mesmo passar-me dos carretos. Nós aqui não somos porcos numa pocilga, sabe? Somos seres humanos, todos nós…
Hannah já tinha virado costas, mas algo de familiar naquela voz e entoação fê-la parar. Achou que a tinha reconhecido. Estava certa disso. Mas em vez de se virar para olhar, o instinto fê-la dirigir-se para o extremo mais distante do balcão e posicionar-se ao lado de um armário, que lhe permitia ver as pessoas na sala de espera, mas de onde dificilmente seria vista.